+ LIVROS POESIA II

Pó Ética
da Paz
(Sun Edições, 1993)




Livro de estreia em poesia de Maria do Rosário Lino (co-autoria com José Pedro Martins). Diz a contracapa:
"Poética da Paz, a paz transformada em pó. A ética do mundo que precisa ser repensada, reescrita, reavaliada. Poética da Paz é uma reflexão sobre o planeta, o homem, a natureza. Uma incursão na linguagem da poesia, feita por jornalistas que há muito têm seus nomes associados com as causas ecológicas e dos direitos humanos. Um livro para ser lido, pensado, relido e que é publicado agora com o apoio de diversas entidades ecológicas, num momento em que a questão da paz mundial torna-se um dos temas mais urgentes da humanidade". Alguns poemas de Maria do Rosário Lino:

SONHO DE GURI

Guri, gari,
catou um pedaço  de sonho quebrado no chão.
Guardou no bolso como se
ele fosse algo de seu.
E acalentou noite e dia
O pedaço de sonho lhe ardia
Como se fosse alguém
que lhe quisesse bem
Como se fosse a paz
querendo respirar
Como se fosse a luz
e tudo o que produz
aquele brilho prata no olhar
do guri, gari,
catou um pedaço de sonho
quebrado no chão.

Que ele pegou na mão
guardou no coração
rasgado de tanto andar
pelas ruas retorcidas de dor
cacos de vidas e restos de histórias
de amor.
Pena não fosse a sua...

Guri, gari
catou um pedaço de sonho
quebrado no chão.

O SORRISO DA PAZ

Mulher,
quando o espelho
refletir plenamente
a tua imagem,
presença intensa
no mundo,
então haverá paz
pela beleza
das tuas mãos
princesas
de grandeza
e generosidade
sensível,
na palma 
da tua
alma,
imensidão.
Mulher
o rosto da paz
(a) guarda
os teus traços
porque também
no sorriso dela...
o perfil é feminino
... na íris 

IDE AIS!
(Sun Edições, 1994)


Um desabafo, um lamento, muitas esperanças. "Ide ais!" reúne poemas que traduzem a luta pela dignidade humana e pelo respeito à natureza. Sinais de crença em transformação, em mudanças, no meio da violência e da destruição ambiental, na tradição do poema social.

SETE QU
               E
                D
                 A
                   S


Sete Quedas
                  quedaram-se
                  as quedas
                  d´água.


Quedaram do céu
os arco-íris
sete cores
 na íris
da imaginação.
Quedaram os
sabores das
quedas d´água
alimentando o
encantamento.


Quedaram-se
as altitudes
atitudes
das quedas d´água
verticais.


Quedaram-se
os aspectos
do natural.
Agora trajeto
d´água
hoje retesada
sofre,
artificial.


Quedaram-se
vilas e vilarejos
sucimbidas
aos desejos
contratuais de
bucrocracias e
                    cias.


Quedaram-se
matas e animais
despejados
sem mais
nem porquê.


Quedaram-se
as vontades
                d´água
universal
carimbadas:
binacional.


Ninguém dissolve
a água
ela evapora
vai embora
mas retorna
em quedas
               d´água
               livre
e sempre
             de pé!




IDE, AIS!


Ide, ais!
Ais de dores
inquietações
perfuradores
desperdiçando
momentos
que seriam bons.
Cachorros latidores
corram atrás
dos ais de dores
de amores
ais sem cores.
Ais, decores
o caminho
da saída dos
ide, ais!


Fiquem apenas
os ideais
felizes
das peças
teatrais
dos cantos
de amor
guturais.
Dos demais
ais
gestuais
da felicidade.
Destes ais
eu quero mais.


Ais
pulo de criança
Ais
de boas lembranças
Ais
de doces andanças
pelos parques
da vida.
Ais da plenitude
positividade
Ais da liberdade
festejados
pelos liberais
Ais da saúde
em vibrações vocais
Ais abençoados.
 A estes:
vinde (m)ais!

         
Do fel
ao mel
a fonte
(Campinas, 1999)



A metamorfose sempre possível, o verso contido na transformação da libélula. O quinto livro de poemas de Maria do Rosário Lino nos fala dos pequenos milagres cotidianos, pequenos mas que são gigantescos em sua redenção, em sua revelação de um tempo novo. A denúncia do que é feio e o tributo ao que é belo, eventualmente faces da mesma moeda de luz, como a autora já escreveu. Alguns versos e/ou poemas:

SOLIDÕES

Meu coração
é um deserto
de solidões.
(...)
 Piedade
é o que clamarei
ao pai,
chorarei
à mãe
esperando
que então
eu renasça
de um parto feliz.
Tanto faz
de meretriz
ou santa.
Basta-me apenas
nascer com
dois corações
ou sem nenhum.

RUPTURA

É preciso romper
o taedium vitae
que embala os difíceis
dias de hoje.
Recuperar ou conquistar
o sabor da existência,
superar a decadência,
abandonando as evasivas,
os subterfúgios,
refúgios
da mediocridade.
(...)

COLCHA DE RETALHOS

(...)
Punida é minha estirpe,
provedora do caos.
Maus são os dons
camaleônicos
da aurora
que, inventiva,
se distancia.
Minha ânsia
é vomitar
as tripas
do espírito.
Sangrar meus sonhos
até o dia
amanhecer
exausto,
percebendo
no âmago e na pele
que a camada
de ozônio
acabou,
exterminou-se
e só.
Pelo simples,
mútuo
e cúmplice
prazer
do aniquilamento.

O adolescer de
um novo dia 
(Edições Independentes, 1997)



"O avanço asustador da clonagem arrogante, a destruição impiedosa da biodiversidade étnica, o prolongamento das injustiças de um mundo terceirizado são pedaços de uma realidade fragmentada que se transforma em indignação na poesia de Maria do Rosário Lino. Em versos demolidores, a poeta e jornalista resgata o grito de rebeldia de uma geração atônica com os rumos da (des)humanidade, na ante-sala do século XXI.
     Mas a poesia não é só angústia. É também esperança, na pureza das crianças, no potencial redentor da música e na solidariedade ecumênica de Jesus, mestre li, amém, aleluia. No final de tudo, nos diz a autora, é possível o adolescer de um novo dia". (Contracapa de "O adolescer de um novo dia"). 

ROUBANDO A VIDA

(...)
Ainda ouço vozes
e não vêm
dos calabouços.
Vêm das cidades.
Enlouquecidas,
elas gritam
pedem
ordenam
vociferam.
Soltem Barrabás!!!
Prendam Jesus!

E Cristo tem hoje
um rosto chamado:
POBREZA.

ADOLESCER

(...)
É ontem,
nem percebi
que o tempo
passou.
Desço a ladeira
no esquecimento
enquanto a preguiça
vai, lenta, embora.
O cachorro late
sorrindo
anunciando
um novo tempo.
Tempo de adolescer.
De novo!
Quem sabe
num povo contente
de voz azul
e sonhos
cor-de-rosa,
boca de noz moscada
e coração
de peito nu... 







Brumas do Eterno
(1998)



"Brumas do Eterno" é uma coleção de lembranças, mesmo que não se esteja pronto para elas. Lembranças até das atualíssimas estrias da fome, de cicatrizes profundas no chão. Mas apesar disso, diz a autora, pulsa o fragmento de luz, que não se perdeu nas horas idas e partidas.

POR QUE EU?

Por que eu?
Se não vi as estrelas
se curvarem no céu
nem toquei seus olhos
nas noites de lua azul.

Por que eu?
Se esqueci minhas verdades
no meio do caminho
e prossegui meio que ilesa
meio que aos pedaços.

Por que eu?
Se sobrevivi às chamas
daquela noite intensa
se reneguei meu pranto
e escondi teu poema.

Por que eu?
Se nem eu mesma me entendo
e busco mais perguntas que respostas
e saio na madrugada vazia
procurando algo que me aqueça.

Por que eu?
E por que não você
que me criou raízes
me gerou dentro do peito
alimentou meus sonhos
aceitou minhas propostas.
Me idealizou tão bela
me concebeu profunda.

Então, afinal,
por que não nós?

FOME BARRIGUDA

A fome não dorme
ela grita como doença
que não convalesce.
E o menino chora
o vácuo no estômago.
Então eu me pergunto:
como ter um sorriso
quando o corpo desfalece
como ser bom
se a alma padece
a dor de um filho seu.
(...)
Até quando seremos
como filhos bastardos
agonizantes na chuva?
Fomos eleitos
quando então nos disse Jesus:
vinde a mim os que estais
cansados e vos aliviarei.
Mas as portas
dos emissários de Deus
não nos dão acesso de entrada.
Pelo caminho encontramos apenas,
apenas oportunistas de plantão.
Por alguns poucos corredores
estreitos e lúgubres
ecoam, entretanto,
vozes reveldes insistindo
que "o reino é aqui"
e a terra é prometida.
Então que se faça cumprir:
o tempo urge,
a fome ruge,
as feras rosnam sobre nós.
Não seremos mais
o prato principal
dos exóticos banquetes
nas noites surdas!!!


Uní
versal
afeto!
(Campinas, 2000)



      A geografia da poesia indicando novos relevos emocionais, novas trilhas da emoção, novas cordilheiras do amor. "Uní versal afeto!" é o sétimo livro de poesisas de Maria do Rosário Lino, que exibe a vocação universal da lírica, mas sem perder o contato com a aldeia, com o aqui e agora com todas as suas vertigens e alegrias. Alguns poemas e/ou versos do livro:

O GATO

No telhado por sobre a hora verde
o gato sai ladino, latindo:
eu sei, eu sei sobre essa fome
de queijos
e já antevejo os beijos
por onde andei.
(...)

O TÚNEL

Quando anoitece
no ventre de minha mãe
eu tenho medo
mas quero dizer-lhe
não se assuste: estamos juntas!
(...)

NÃO!!!

Arma, não te quero arma,
morte, eu te quero morta.
Ah! Eu só quero a sorte de um amor amigo
e o banimento do princípio antigo
que faz de outra criança o meu inimigo.
(...)

Atóis
da
liberdade
(Campinas, 2000)


A tessitura da poesia, a textura suave da poesia, revelada em seu esplendor e em sua (bio)diversidade. è o que revelam os poemas de "Atóis da liberdade", um grito de amor e de dor pelo destino da vida.


(I)
Mãos de malha, mãos de palha
aquiete-se a navalha
deite-se a morte ao seu berço
vazia e quieta, sem o adereço
do endereço humano como sustento.
Que a morte morra de fome e de sede,
sem pai, nem mãe, nem mais filhos.

(II)
Quando as palavras pesam,
os gestos arruinam.

(III)
Lerei mais vezes o teu manuscrito,
ouvirei as vozes que emanam
das palavras, nutrirei com atenção
as pétalas do teu pensamento.
Concessões não farei nenhuma,
respeito as faces do teu ideário,
um apiário de doces deleites
romanceados em personagens
sôfregos. Meu fôlego lento
te será lendo, felicitado,
pelos ventos que te inspiraram
a prece. Uma messe
de pão sadio às mentes
calibradas pela liberdade.

(IV)
Ah! Escravidão deixa suas farpas
no contemporâneo
se o conterrâneo
não é feliz!